segunda-feira, 30 de maio de 2011

Por uma grama úmida e ar gelado

Uma fita cassete com um disco clássico dos Stones, um sapatinho da Malu (da época em que tinha 1 ano) e um violão de segunda mão são os meus pertences mais valiosos.Quero dizer, com isso, que com essas tendências capitalistas ficou mesmo difícil superar aquele filosofo que só possuía uma xícara e ainda a jogou fora quando viu uma criança bebendo água na palma das mãos em uma fonte.
Talvez algum inocente que tenha uma coleção de camisas pólo pense, aposte, precipitadamente, que se trata de mais um pseudo-comunistazinho-fracassado que usa da (de)negação como desculpa para a sua falta de posses, para sua intenção anti-capitalista, para seu dissabor com relação a shoppings e mc donalds...sinto dizer garoto dinamico-proativo-engajado-disponivel-capacitado-atualizado e bem-sucedido, mas você está errado.
Primeiro: penso que não há nada demais em ter uma Ferrari, um duplex em Ipanema ou heliporto particular, tampouco em ter uma casa em N.Y próxima ao central park ou uma coleção de tênis Nike.
Nada de errado,absolutamente.
Definitivamente, não há nada de errado em consumir.
O problema, é quando se consome é preciso bancar isso, logo, para um pobre, iludido com “status quo” de classe media, isso significa vender aquilo que Marx denomina “força de trabalho”.Quando se consome mais, é preciso vender mais e, como estamos distantes da flexibilidade de um Zuckerberg, estamos falando de T-e-m-p-o.E tempo é dinheiro(afinal, quem nunca entendeu essa expressão antes, eis a oportunidade).Isto é, consumo é igual a menos tempo para usufruir do consumido e mais tempo para “suar” para pagá-lo.Quero dizer, com isso, que há uma inversão naquela lógica inocente de “trabalho para ter conforto”, afinal, parece que se tem conforto para trabalhar mais, solamente...
É uma lógica perversa para os pobres.
E uma lógica graciosa com aqueles que estão montados em dólares, afinal, o tempo, no caso deles, segue uma linearidade inversa- mais tempo para gozar o consumido, já que o tempo que despendem é só o de sacarem o cartão de crédito do bolso.
Desse modo, depois de três décadas, eu conclui que o melhor é consumir o mínimo possível porque consumir é bom, mas tempo livre, para mim, é fundamental,indispensável.
Ao longo de uma década venho me preparando(ou é uma sequela Supertramp!) para a minha segunda carta de alforria: a libertação dessas lógicas de mercado, desde o processo instaurado, que é o consumo, até os pilares básicos, que são processados ainda na lógica do desejo humano. Percorri um caminho psicanalítico e alternativo demais para continuar a fazer parte disso tudo sem sofrer nenhum dano cerebral, então, penso mesmo que devo pular fora.
Em vinte terças, no máximo, estarei livre de tudo. Entrarei de sola na maturidade...
Isso significa tempo para livros, filmes, Malu, música, mulher, pijama, viagens, cinema e pouquíssimo dinheiro no bolso, ou nenhum, tanto faz. Quando exponho isso aos meus amigos, eles sempre ficam incrédulos, afinal, como será possível viver assim, sem uma renda fixa, alias, sem uma alta-renda-fixa. Sempre digo o seguinte: vou descobrir. Marx acreditava que, com o tempo livre e sua libido pronta para ser investida em outras atividades que não a produção capital, o pobre operário poderia encontrar algo para fazer que lhe garanta sobreviver e satisfazer-se. Veremos...
Caso não dê certo, ainda tenho a alternativa do Gibran: mendigar diante das igrejas. Basta estar preparado para ser chamado de vagabundo e filisteu.
Depois de três décadas eu finalmente serei liberto de mim e das apreensões globais. Certo é que isso tem um preço: errância.E quando digo errancia, não interprete isso como “errar”...nesse caso, quer dizer o mesmo que andar, isto é, navegar, velejar,viajar através dos dias, meses, anos sem ter um porto seguro ou rotina, sem ter “chefes”, balizas temporais, sem ter um contrato fixo de trabalho, sem ter que programar folgas e viagens de acordo com os gostos do patrão, sem ter que dizer a ninguém quais serão os primeiros e últimos raios-de-sol que verei ao cabo de um dia, sem saber em que cidade estarei morando nos próximos anos(já morei em tantas), sem saber de nada, ou seja, ausência total de fixidez.Terei um único sol como guia: minha filha, afinal, o amor que lhe dedico e minha posição[de pai] me colocam numa situação de provedor que sempre me foi suave e que nunca deixarei de cumprir; uma tarefa doce e circundada pelos aromas do amor.Minha amada também não terá do que reclamar, nunca recebera flores cujo único cheiro é o de notas sujas e trabalho escravo;recebera ramalhetes colhidos pelas mãos da liberdade e da paixão, e as frutas que lhe forem postas a boca serão colhidas direto da arvore do desejo.
Ainda levara um tempo até que eu esteja formado (Psicologia), de modo que ainda ficarei por essas plagas mais alguns anos.
Depois disso, tomara que eu possa mesmo estar ao lado Del Camino.
Penso em permanecer nesse estado “fluido” por, no mínimo, dez anos, com um único precedente: caso encontre nesse meio tempo algo que seja definitivamente importante para mim e para a humanidade.
Nenhuma outra jaula me segurará.
Espero ser realmente feliz nesse longo período em que estarei debruçado sobre mim, não obstante, sobre o mundo...
E dificilmente não serei, tendo como grandes necessidades a grama úmida e o ar gelado.E uma longa rua para percorrer, chamada Liberdade.
Eis a minha oração para os espíritos livres.


9 comentários:

Rafa disse...

Bem coerente o texto e corajosa a decisão!O traballho como encarado hoje em dia é uma escravização mental. As pessoas trocam horas de bem-estar por migalhas, que lhe garantem apenas uma subexistência. Não falo apenas dos trabalhos mal remunerados e sim de todos que fazem as pessoas esquecerem quem são para ganhar dinheiro, oque é uma ilusão. Porque o trabalho moderno é isso: As pessoas se transformam em personagens para ganhar dinheiro.E o dinheiro tenta compra o resto. Ganhe o mundo, caro Zaratustra!!

Edson Leal disse...

Rafa,
Valeu.
Tenho certeza que você entende absolutamente o que digo.Repensar a maneira como vivemos,trabalhamos e nos colocamos diante da realidade é uma questão fundamental...Ao menos para quem busca um caminho minimamente autêntico e libertário.
abração.

Josias Fontoura - Chocolate com Cultura disse...

Esse é o teu texto mais profundo, fala de ti e de um ideal praticável. Tenho uma década a menos de vida e de conhecimento, mas creio que a mesma intensidade ideal, no entanto diversa, bem diversa. Estou ao lado del camino que vou trilhar pelos próximos 10 anos; vou enriquecer, porque isso é fácil, vou me formar na Psicologia, porque esse é o curso mais completo e mais interessante que uma Academia pode oferecer hoje, e vou então chegar ao momento da reflexão, sem no entanto me ver sentindo a necessidade de me desprover do dinheiro, acredito.
Ou quem sabe... quem sabe esteja tudo errado. Só vivendo pra saber...

Edson Leal disse...

Josias,
O mais importante é arranjar forças para mudar quando se está insatifeito, seja daqui a dez,vinte,trinta,cinquenta anos.
Espero, sinceramente, que você seja rico em todos os sentidos, amigo.
Torço por ti.
abração.

Anônimo disse...

O tempo é nosso bem mais precioso, sem dúvida...
Parabéns pelo texto, leva-nos a refletir o que fazer por esse caminho louco chamado vida.
Desejo que após as tuas "vinte terças" consigas encontrar a alegria em qualquer coisa que venha fazer.

Abraço,
Carine

Edson Leal disse...

Carine,
Obrigado.
Tenho certeza que com essa tranquilidade e lucidez com que você vê o mundo também encontrará um caminho alegre,absolutamente!
Abração.

Elídia :) disse...

Título do livro: Memórias de um Esquizoanalista Errante ou Eu Saí de Maio de 68 e Caí nesse Mundo Louco. kkk #brinks T admiro mode On mas sou só uma comunistazinha de shopping.

Edson Leal disse...

Elis,
Obrigado.
Tu és uma moça "bacana"; em todos os sentidos!!!
abração.

Elídia :) disse...

Tu viu q te re-publiquei no blog,tão me tacando pedras kkkk #óminhacaradepreocupação