quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Quase uma epopeia

Mais um ano se passa.
Agora trintão, o menino do interior que queria ter um castelo aos vinte e cinco tem. Na verdade, tem três.
Virou o ano trabalhando como a muito, e não vê ai nem um mal.
Desde os contos libertinos, de Coelho a Van Gogh, de Quixote a Nietzsche, de Sthendal a Deleuze muitas águas se passaram.
Aqueles passeios com os outros meninos pós-expediente acabaram, os sonhos acabaram também.
Tem um mundo aos seus pés, um mundo que deseja, que pulse, que sonha, que é alucinadamente sedutor.
Mas que, no entanto, quase sempre lhe escapa a vista, a possibilidade, ao tiro.
É teatro para muitos, que respirem.
É Circo para outros, que riam.
É um pedaço de todos.Põe na receita um pouco de aprimoramento, duas leituras de Kant, um pouco de vinho, ou cerveja com amigos, um pouco de sonhos, duas metas, duas meias faculdades, um sem-fim de quilômetros de experiências, duas gotas de cansaço, um sorriso, um cabelo meio-grande-meio-curto, uma paixão por curtas, duas pitadas de cinema, uma dúzia de boas canções compostas, experiências sexuais (amor puro, pura putaria), dois pesos de liturgia (aquele canto gregoriano dos mosteiros na época de retiro que não sai da cabeça assim como aquela moça Batista na fila do Nacional falando sobre o poder da palavra e sua não desmistificação para aqueles capazes de ler-lhes apenas com o crivo da razão.Um pouco de filosofia desregrada, um pouco de poesia inacabada, um tanto de desdém por si.
Ali, ao lado, os outros. Comigo.
Todos os sonhos se unem como favos de mel...lindas mulheres, homens, crianças(divinas) com seus doces, mendigos, prostitutas, executivos, executadores, excrementadores, odores franceses e franciscanos, planos, paradas em toilletes podres, perfumes de velório, acordes de jovens músicos sonhadores, sinopses, leitores ávidos de manuais de concursos públicos, de diário gaucho, de mamilos rosados escondidos por sobre o tecido fino daquela jovem flor que se exibe com orgulho agarrada sexuadamente a barra de segurança...
A falta do Outro presente na extravagância americanizada do all star da molecada metralhada pelo melhor e pelo pior do american way life, no Oix dos mano, das mina, no olhar demente do prodigo consumidor de crack e de famílias.
Uma reunião com um dirigente de uma grande corporação pela manhã; à tarde, um picolé entregue na mão imunda de um moleque suburbano evidentemente preto e evidentemente fadado a ouvir a mesma balela liberalista de que toda essa porra de mundo é igual em oportunidades, em direitos e, por fim, em deveres; ah!ah!ah!ah! somente com histeria se suporta esse drama sem fim...
Passei a virada do ano com gente de todo tipo: como você, narcisista e metido(a) a intelectual, gente grosseira,gente faceira, gente rica- pobre- feliz, gente podre-rica-feliz, gentes tristes, gente inovadora,plug-and-play, gente Emotiva, radioativa, transexual...gente como você, que não sabe quem é, não sabe o que fazer, não sabe nos braços de quem sofrer, não sabe para quem mostrar os poucos troféus, não sabe acreditar de verdade naquele planejamento que da inveja na vizinhança...gente como eu, gentes gente-fina.Uma destoava das outras por assumir, assim, na laje, que bastava dar “feliz ano-novo” para a mãe que correria para vender o boné que ela lhe deu a pouco para fumar uma pedra...
Jovem, dionisíaco, traços finos em meio a uma arquitetura pitoresca; um morto-vivo ao vivo regando o riso de todos.
Aquele jovem era o teatro, era o ator, era a vida.
E os risos da platéia ecoavam por saber que também estávamos tapando o sol com algum boné que será vendido logo ali a diante.
Ohhhh!!! Que cenário de horror!!! Dirá algum leitor mais hipócrita e/ou conservador...
Mas espia dentro de ti, Fariseu, e verás que em ti, ou ao teu redor, um próximo, parente, família, que acorda todos os dias cansado de estar cansado e não poder fazer nada a não ser ir para o “pais das maravilhas” com algum bagulho junto e misturado, ou dar para alguém por dinheiro para sustentar os mais diversos vícios, ou assassinar a própria vida em detrimento de um sonho pequeno burguês que jamais será totalmente alcançado.
Espia a liberdade como eu. Mas sejamos escravos o mínimo possível.
Porque a nossa vida é quase uma epopéia.
E o menino já desconfia de tudo.
E que tudo pode ser possível.