terça-feira, 18 de outubro de 2011

Eu confesso:

Três décadas de verdades construídas com algumas lagrimas e suor (afinal,criação é transpiração). Uns bonés antigos dos tempos ruralistas, umas medalhas de bronze corroídas pelo tempo, uma fita cassete azul com um ‘disco’ dos Stones, uma guitarra barata e furiosa, um violão pequeno burguês, um dicionário de latim doado por uma bibliotecária charmosa aos noventa,uma coleção de camisetas pretas abandonadas pela inspiração,um all star carcomido pelas peladas e piadas, algumas canções de amor,outras de dor,outras de tédio, outras que se propunham a remédio...
Um discurso errante, inseguro,frágil.Um punho aposentado já a algum tempo.
Uma caricatura do Cavaleiro da Mancha que eu fiz aos quinze, pintei aos dezoito e vesti aos trinta...
Amigo de todo tipo, até do tipo que não é tão amigo, mas faz falta quando some...doidos,pirados,sonhadores,idealistas, metódicos, maltrapilhos, caretas, carecas, do tipo ‘titio’, narciso, menina vaidosa, bonitona insuportável, tapetes vermelhos nos templos do Nada, amigas sisudas, metro e meio de perna, karate, Katinguele, Karapintada, Karapálida,Kamikase...
Aqueles senhores com quem faço um som caipira atravessando os acordes nas suas vozes de campeiros de verdade sem escudo nem reconhecimento do estado...Amigo peão(dos bons).
Amigas, santas da psicologia, da posologia, da pedagogia, da pornografia,da coragem, da vaidade, das pernas de fora no frio que se segue...das dores de amor mesmo que negue...amigas azuis, verdes,vermelhas e um tipo sem sal e intolerante e intolerável do tipo ‘eu-acho-que-o-mundo-inteiro-me-ama’.Amigas de boteco, de bilhetes e de lama...
Que beleza poder fazer o bendito exercício metacognitivo e dizer para si mesmo do alto da crise existencial que rege todo aniversario: “tem sido bom essa loucura toda...esse contrato de verdade...essa fraqueza...essa disposição a abraçar antes de dizer oi...tem sido bom ver que aqueles primos gêmeos e irmãos continuam amando a si e aos outros com tanto vigor,mesmo depois de tanta neve...mesmo depois de tanta prece,mesmo depois de tanto amor, porque o amor, as vezes, é um veneno letal...
Tem sido bom contemplar tudo com um pouco de afastamento...isto é, ser um projeto de autonomia kantiana com boas doses de caipirismo, como se aventura a dizer por ai um moço muito meu amigo.Tem sido bom redigir o ‘discurso de eu’ com vistas na grandeza absoluta do outro, seja la que outro for...
Eu já virei a casaca muitas vezes... Fui maragato,chimango,brasileiro convicto...eu já fui romântico, introspectivo,faceiro...negro,branco,vendedor de abacaxis e sonhos...vejo uma molécula minha em caras como aqueles que arrumam as estradas com panos úmidos na cabeça, felizes porque os outros seguem adiante;vejo nos poetas,filósofos,doutores,professores,pintores,peões,leiteiros alemães bonachões e com vividos olhos claros, vejo nas reticências de uma menina com quem pouco tenho contato,por quem nutro grande afeto...
Vejo em tudo isso uma centelha flamejante e desvairada que eu chamo de vida.
Vejo minha filha crescer com um sorriso-saude-sem-preço, colorindo o meu castelo.
Vejo minha ‘namoradinha-de-uma-década’ reluzindo beleza e frescor raros.
Tenho as mãos de minha mãe sobre a minha fronte, como Santa da qual sou devoto...
Tenho lembranças do meu pai,vívidas como eu...
Tenho irmãos que me dão orgulhos e orgulhos, de modo que ate esqueço a síndrome do irmão do meio...
Tenho tanto do que não se pode vender ou comprar que eu até me assusto vez que outra...
Tenho uma solidão solidária, que me ajuda a chegar perto de quem não tem vez...
Tenho um pouco da ignorância e orgulho que ferem a alma.
Tenho firmado a minha condição de quixotista com meus discursos e brinquedos,gerando amor,por vezes,medos...
Tenho a certeza que eu estou no meu caminho, ainda que esta certeza esteja somente ao lado Del camino ainda antes do último acorde dessa pequena e trôpega narrativa.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Admirável Rumo Novo... (só não vai quem já viveu)

Eis o nome do meu bloco.
Um bloco criado para aqueles que ainda não viveram tudo que há para viver e, por isso, vivem um tanto inquietos, inconformados, descontentes com realidades imutáveis.
Diferentemente daqueles que vivem sentados em altares de sabedoria, o meu bloco é feito para aprendizes, para aquele tipo de pessoa que, mesmo estando maravilhada com certas novidades do mundo, ainda conseguem perscrutar, a partir de alguns vapores que escapam ao divino, o brilhantismo e exuberância do futuro de quem se dá ao luxo da “errância”.
Meu bloco é para os "excluídos"; não cabe nele gente feliz demais, tampouco gente demasiadamente sucedida, e ainda que eu quisesse que coubesse, também não podem entrar famílias absolutamente estruturadas, que beiram a perfeição (daquele tipo cujos filhos herdam o nome e a profissão dos pais para serem tão íntimos que não precisam nem se cumprimentar pela manhã) porque vejo nelas uma grande armadilha; não pode, também, gente bonita por fora, a menos que estejamos certos, eu e o resto do mundo, que é ainda mais linda por dentro; fato raro, pessoas bonitas e delicadas que até parece que são feias, raríssimo.
Embora pareça um radicalismo, eu lamento informar: aqueles que ocupam os mesmos lugares desde o principio não podem entrar; alias, até podem, se não forem alérgicas a liberdade, afinal, estagnação é um mal para o qual ainda não se tem antídotos nem homeopatias.

Gente sem sucesso, sem grandes posses, sem popularidade, tem um lugar cativo no meu bloco. “People are strange” será um dos nossos hinos, e o nosso ritmo será o ritmo dos nossos novos rumos. Aqueles que choram, caem, navegam, gozam; ficam bêbados e dão escândalos de vez em quando; choram por um amor ido, aqueles que sonham em chegar a algum lugar algum dia, aqueles que ainda se compadecem com aquelas coisas sujas e fedorentas que ficam amontoadas embaixo dos viadutos das cidades, que eu costumo chamar de ser humano; pessoas que passam domingos sozinhas, feriados trabalhando,anos-a-fio-na-posição-de-combatente-ainda-que-sem-sucesso; pessoas que sorriem para estranhos, que conversam com estranhos, pessoas que sentam ao lado de gente estranha e estranhas ficam, enfim, todos puxam meu bloco.
Se o leitor ainda tem paciência para mais uma regra, acresço: pessoas que gostam de crianças.Essas,sim,são praticamente donas do bloco.
Pessoas sérias, sisudas, autoritárias, fálicas, nem pensar, porque reservamos o lugar delas para as pessoas que gostam de animais, da grama, da natureza, arvores, pássaros, beleza do mundo,até porque acredito que elas iam achar um tédio absurdo essa coisa de valorizar verdadeiramente(isto é, valorizar para além do discurso bonito e vazio) os pequenos grandes momentos da vida.
Quem não gosta de ir para outras paragens, de habitar outros territórios, de alguns mosquitos e grama úmida, de se reinventar; Bem, com relação a estes, é melhor nem quererem entrar, afinal, podem ter reações adversas.
Fato é que tô com bloco novo na praça; e agora, penso que tô no meu caminho...ao lado del camino.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Meu Bloco

O menor post para anunciar a fundação de um bloco:
Admirável Rumo Novo...Só não vai quem já viveu...


ps- o próximo post tratará deste tema; só não o faço agora porque os meus pés não deixam...

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

"Na pista pra negócio"

Há um dia nas nossas vidas (eu espero que isso aconteça com todos, sinceramente) que temos uma “iluminação”(mistura da acepção judaico-cristã, com a palavra lucidez, inda com a palavra educação- ex- duco- e umas horas a mais de sono).Um dia simples, onde as coisas discorriam mais ou menos da mesma forma frágil e estruturada de sempre -(som de um estalo de dedos)-, e algo acontece e muda as nossas vidas, definitivamente.
Ontem, durante o ocaso do sol, eu tive a minha iluminação.Um flash que iluminou e lançou feixes de luz sobre todas as coisas antes vistas, sobre todas as coisas anteriormente pensadas, um insight cujo reflexo se estendeu as amarras teóricas que esse pequeno fenômeno gerou em milésimos de segundo, assentando tudo que eu já vi, li e vivi ate então, num berço de tranqüilidade e serena alegria.
Andando eu me dei conta: agora, sou um homem livre.
Sartre afirmava que todos os homens são inadvertidamente livres, e que não podemos nos abster da responsabilidade dos nossos atos; mas, para mim, assim como parece ser para o Corpo Estranho, essa não é uma questão tão simples.Primeiro, porque esse recorte temporal chamado pós-modernidade, mãe de todas as horizontalidades( no sentido de que tínhamos relações tipicamente verticais, cujo figura central era paterna e toda a significação girava em torno de uma hierarquia fálica) acaba nos confundindo com sua infinidade de possibilidades, de relativismo, de devires, de liberdade democrática, sexual, intelectual, pessoal, etc.Segundo, porque todos esses séculos de disciplina e controle acabam produzindo, a quem de qualquer ressalva, um certo apego e medo de sair-desse-lugar-de-credito-e-status-de-identificacao-global-e-lugar-comum.Essas duas causas são mais do que suficientes para embalar qualquer duvida, independentemente de serem vistas, ou analisadas, juntas ou separadamente.
Logo, havia uma agonia pungente nesse meu movimento kamikase-riponga-filosofico-reeditante que não estava me permitindo “caminar” em paz até então.
Mas ontem, saudoso leitor (a), essa angustia morreu.
E, bendito sejam os deuses do acaso ( que afirmam que felicidade não é coisa que se conquiste), durante alguns passos lentos na universidade, sozinho, com uma mochila cheia de lembranças e um pouco de água de bebedor dentro de uma garrafa vazia de coca-cola, eu pude sentir.Fui atravessado por essa conclusão popularíssima e feliz: Eu to na pista pra negócio!!!
Depois de algumas conversas informais com gente bem formada, vídeos de psicanálise lacaniana, um palestrante Português, um pouco de refrigerante sem gás e uma discussão metacognitiva embolada sobre comportamentalismo, marxismo vulgar, platonismo torto e estruturalismo capenga (ou irracionalismo, que dá a tudo isso uma imagem ainda mais delirante), eu descobri que, no mínimo, ganhei todas as possibilidades que não tinha se estivesse ainda naquele berço infame e alienante que estava.
Eu posso fazer o que eu quiser.
Até confesso que é um pouco sufocante lidar com todo esse potencial. Afinal, diante de três décadas de linearidade absoluta dobrar uma esquina é uma aventura, e toda aventura pressupõe novidade, novos rumos, novas estradas, novos caminhos, novas experiências, novas “novas”.
Por outro lado, haverá coisa mais fascinante do que não ter certeza do que se estará fazendo amanha? Trabalhando com quem? Com que especificamente? Que tipos de situações, enfrentamentos aparecerão? Quais serão os medos, receios?(afinal, eles são parte indissociável de toda e qualquer vivencia humana).
Certamente, aparecera ai algum cético um tanto deprimido e controlador que cogitará o “óbvio ululante” de que “isso tudo é muito bonito no discurso, mas dificilmente aplicável a vida real”. Deverá, ainda, dizer que é preciso sobreviver, ganhar a vida, sustentar-se; e que toda essa errância só poderia resultar em miséria e desolação...
Entretanto, haverá maior desolação, maior miséria, do que a de um individuo que ao longo de toda sua existência não foi capaz de apostar em si mesmo uma única vez? Não foi capaz de impor-se a ladainha racionalista e pobre de que é preciso seguir os passos daqueles que tem sucesso, êxito em suas vidas, ainda que seja um êxito estritamente profissional...Não foi capaz, uma só vez, de chorar e não sentir vergonha disso.Não foi capaz de implorar o amor de alguém, não foi capaz de um porre, de um “erre” a mais, de um tropeço público nos tapetes da etiqueta; não foi capaz de dizer uma só vez “quem é mesmo o dono de quem”.
Não foi capaz de concluir que dizer não a despedida significa fulminar com a chance de um reencontro.
É incrível como algumas brechas no presente podem abrir novas portas para o futuro.Como a falta de uma residência fixa e imutável põe os nossos pés no mundo.Como algumas conversas idiotas de boteco, tomando cerveja as três da tarde de uma segunda-feira podem nos levar a colocar as mãos na coroa que nos fará senhores dos nossos destinos.
Felicidade não é coisa que se mereça. Repito.
O Acaso é um amigo intimo da capacidade (e necessidade) criativa do homem, seja lá que homem for...
É por isso, somente por isso, que eu tô na pista pra negócio, porque "o caminho da liberdade é a própria liberdade".





domingo, 19 de junho de 2011

O principio

No principio, era um instinto. Depois, fora investido de linguagem e virou “eu”. Eis a minha teoria para a natureza da complexidade da vida humana.
O roteiro é bem simples, simplíssimo e não vou tentar torná-lo hermético: nascemos e, à medida que crescemos, tornamos os objetos primordiais tão complexos que, definitivamente, deixamos de conhecê-los.
Fica o exemplo bom vivant: comer, no começo é chorar e comer. Um chorinho aqui, outro ali e o “seio bom” salta aos olhos e sorrimos, bebes lindos[todos os bebes são lindos] e satisfeitos.Olhos comprimidos, ligeiramente escuros, com um brilho análogo ao de uma estrela cadente, umas bochechas coloridas e um riso bem fácil.Então, saciados e sem muito o que fazer, passamos a engendrar maluquices para compor a nossa subjetividade.Um pouco maiores, já não basta-nos somente o seio.È preciso ter a mãe para si.Tê-la por ali, vigiando-nos e falando naquele bom e velho “manhês”, aquecendo-nos, colorindo-nos, inventando apelidos pitorescos, ninando, cantando...depois, seguindo a trilha do verbo comer, começamos a escolher o que queremos comer, começamos a selecionar alimentos, começamos a selecionar temperos, a escolher “marcas”, temperaturas, cheiros, origens e, por fim, para provar que adoramos o hermetismo, atribuímos um valor estético ao alimento.Já não basta que seja um alimento, é preciso que seja, também, bonito, sofisticado,original; é ou não é o caos?
Para aquelas que não parceiras que não se convencem com facilidade das minhas pobres teorias, então, adotemos um tema mais picante... Sexo.No começo é perverso polimorfo, isto é, pode se ter prazer de muitas formas, enfim, prazer, apesar de ser de uma forma primitiva.Atravessados todos os “Édipos”, já não basta mais aquela alisadinha...Chegamos a adolescência com a típica efervescência hormonal, masturbação, ereções repentinas, professoras escandalizando inconscientemente os nossos desejos com aqueles vestidos de verão finíssimos, aquelas peles joviais, aqueles seios(falaremos da disciplina depois, ironicamente...); as colegas que odiávamos até bem pouco tempo começam a ter contornos que nos tiram de orbita com um balançar de cabelos, começamos a adorar os decotes e as saias;entretanto, ainda aí, há muito de simplicidade e o homo-sapo consegue ter um prazer imenso com a sua masturbação.com o tempo(e sorte) arrumamos uma parceira, uma paixão, um “pathos”.Então, nada no mundo, absolutamente, supera a delicia de explorar a intimidade feminina, viramos metrônomos ensaístas que adoram variar o tempo do “vai- não – vai”; orquestradores que adoram acelerar e desacelerar o ritmo das coisas... Mas, como somos bem estranhos, precisamos inventar mais coisas; é preciso que a mulher goze, depois, é preciso que ela goze junto, sincronia total, depois, é preciso que ela goze antes, depois goze duas, depois três, depois, nossa... é preciso acrobacias, lugares perigosos, praias, areia, lua, cremes, chocolates,algemas, chicotes, botas, chuva, sol, música,halls...esses dias um amigo me mostrou um vídeo cuja legenda era “gangorra”(difícil de explicar, o cara fazia uma perpendicular e ficava se balançando em cima da mulher, subia e descia e seus pés quase tocavam a cabeça dela como uma martelo; mas devia ser bom, porque ela soltava uns gemidos bem sacanas...); fazemos tudo isso para termos o mesmo orgasmo que tínhamos com a masturbação dos primórdios, dá para acreditar...então, são dois exemplos elementares: do leite natural até a sofisticação culinária máxima e do orgasmo básico até uma apresentação digna do Cirque du soleil.
Agora, para fechar a serie de exemplos, pensemos na intelectualidade: no começo, um “A de abelhinha”. Lembro como se fosse hoje, a professora Barbara me ajudando a colar bolinhas de papel pequeninas numa grande letra a desenhada a mão numa folha A4; coloria aquela letra que estava recheada com uma abelha graciosa, depois colava as bolinhas de papel ao redor dela e recebia um “muito bom” seguido de um sorriso gracioso daquela mulher doce.Educação silábica, juntava esse “a” com outra letrinha e formava uma silaba, depois formava uma palavra e, num passe de mágica, aprendia a ler e escrever; também não posso deixar de citar o esforço de minha mãe, que foi quem me alfabetizou desenhando também as letras para mim num caderno de notas velho com um lápis praticamente sem ponta quando eu tinha cinco anos; ela sempre foi muito lúcida e amável e me incentivava muito fazendo leituras e rabiscos, apesar de ter cursado somente o fundamental.
Uma vez lendo e escrevendo, passamos aos verbos, frases, orações. De uma fabula sobre a mata nativa e alguma lenda caigangue com ou sem saci e final feliz, passamos, com sede, as biografias, aos livros de aventura, historia, teologia, escolástica, matemática, soma, subtração, divisão, cartesianismo, racionalismo, idealismo, platonismo, irracionalismo, marxismo, niilismo, física, sociologia, astronomia, psicanálise, artes plásticas, composição dos vinhos, coletivos dionisíacos, tragédia, espiritualismo, paganismo, pornografia, culinária, astronomia, astrologia(mesmo nas versões vulgares de jornais diários), um sem-fim de “saberes” que se entrelaçam na composição de um todo que nos dá a mesma satisfação de ter concluído aquela “abelhinha”.Sinceramente, dá menos satisfação.
Então eu sempre me questiono se, ao passo de uns oitenta anos, se Deus quiser que eu chegue lá (eu quero só duzentos e oitenta!!!), eu finalmente não terei deixado de saber, de fato, o que é comer, o que é gozar, o que é ler um livro simples e bonito.Trilhamos um caminho de complexificação de tudo que eu temo um dia não entender mais nada; mergulhar nesse relativismo que assombra grande parte da humanidade e ver a certeza das coisas “fluindo”, como prega a “pós-modernidade”.
Isso sempre me lembra o Caeiro: “há metafísica bastante em não pensar em nada”. Ou numa formulação nietzschiana que aqui ganha um contorno próprio: uma marinheiro que, durante uma tempestade em alto mar, conhece a formula química da água...A mesma água que bebemos na infância com gosto, com sede, com ou sem cloro; a mesma água das fontes que embalaram sonhos e desejos realizados, as mesmas que receberam moedas e mãos inocentes.
Talvez um dia ainda iremos não saber mais o que é, de fato, a água... Ainda que morramos afogados. Depois de tanta complexificação... Desde o momento em que nossos instintos são investidos de simbologia passamos a experimentar e representar o mundo de uma forma cada vez mais “rica”, cada vez mais subjetiva, cada vez menos úmida...
E tem colegas minhas que ainda se assustam quando me vêem perscrutando fria e apaixonadamente uma garrafa de água de 600ml dentro da sala de aula, enquanto a professora explica en passant o que significa tal comportamento enquanto representação de uma sintomatologia...
E eu que pensava que lavar as mãos era só lavar as mãos...
Então, mais uma vez, vamos em frente: lavar as mãos = TOC, transtorno obsessivo compulsivo ou Lavar as mãos = Pôncio Pilatos, alusão ao ato de...



segunda-feira, 30 de maio de 2011

Por uma grama úmida e ar gelado

Uma fita cassete com um disco clássico dos Stones, um sapatinho da Malu (da época em que tinha 1 ano) e um violão de segunda mão são os meus pertences mais valiosos.Quero dizer, com isso, que com essas tendências capitalistas ficou mesmo difícil superar aquele filosofo que só possuía uma xícara e ainda a jogou fora quando viu uma criança bebendo água na palma das mãos em uma fonte.
Talvez algum inocente que tenha uma coleção de camisas pólo pense, aposte, precipitadamente, que se trata de mais um pseudo-comunistazinho-fracassado que usa da (de)negação como desculpa para a sua falta de posses, para sua intenção anti-capitalista, para seu dissabor com relação a shoppings e mc donalds...sinto dizer garoto dinamico-proativo-engajado-disponivel-capacitado-atualizado e bem-sucedido, mas você está errado.
Primeiro: penso que não há nada demais em ter uma Ferrari, um duplex em Ipanema ou heliporto particular, tampouco em ter uma casa em N.Y próxima ao central park ou uma coleção de tênis Nike.
Nada de errado,absolutamente.
Definitivamente, não há nada de errado em consumir.
O problema, é quando se consome é preciso bancar isso, logo, para um pobre, iludido com “status quo” de classe media, isso significa vender aquilo que Marx denomina “força de trabalho”.Quando se consome mais, é preciso vender mais e, como estamos distantes da flexibilidade de um Zuckerberg, estamos falando de T-e-m-p-o.E tempo é dinheiro(afinal, quem nunca entendeu essa expressão antes, eis a oportunidade).Isto é, consumo é igual a menos tempo para usufruir do consumido e mais tempo para “suar” para pagá-lo.Quero dizer, com isso, que há uma inversão naquela lógica inocente de “trabalho para ter conforto”, afinal, parece que se tem conforto para trabalhar mais, solamente...
É uma lógica perversa para os pobres.
E uma lógica graciosa com aqueles que estão montados em dólares, afinal, o tempo, no caso deles, segue uma linearidade inversa- mais tempo para gozar o consumido, já que o tempo que despendem é só o de sacarem o cartão de crédito do bolso.
Desse modo, depois de três décadas, eu conclui que o melhor é consumir o mínimo possível porque consumir é bom, mas tempo livre, para mim, é fundamental,indispensável.
Ao longo de uma década venho me preparando(ou é uma sequela Supertramp!) para a minha segunda carta de alforria: a libertação dessas lógicas de mercado, desde o processo instaurado, que é o consumo, até os pilares básicos, que são processados ainda na lógica do desejo humano. Percorri um caminho psicanalítico e alternativo demais para continuar a fazer parte disso tudo sem sofrer nenhum dano cerebral, então, penso mesmo que devo pular fora.
Em vinte terças, no máximo, estarei livre de tudo. Entrarei de sola na maturidade...
Isso significa tempo para livros, filmes, Malu, música, mulher, pijama, viagens, cinema e pouquíssimo dinheiro no bolso, ou nenhum, tanto faz. Quando exponho isso aos meus amigos, eles sempre ficam incrédulos, afinal, como será possível viver assim, sem uma renda fixa, alias, sem uma alta-renda-fixa. Sempre digo o seguinte: vou descobrir. Marx acreditava que, com o tempo livre e sua libido pronta para ser investida em outras atividades que não a produção capital, o pobre operário poderia encontrar algo para fazer que lhe garanta sobreviver e satisfazer-se. Veremos...
Caso não dê certo, ainda tenho a alternativa do Gibran: mendigar diante das igrejas. Basta estar preparado para ser chamado de vagabundo e filisteu.
Depois de três décadas eu finalmente serei liberto de mim e das apreensões globais. Certo é que isso tem um preço: errância.E quando digo errancia, não interprete isso como “errar”...nesse caso, quer dizer o mesmo que andar, isto é, navegar, velejar,viajar através dos dias, meses, anos sem ter um porto seguro ou rotina, sem ter “chefes”, balizas temporais, sem ter um contrato fixo de trabalho, sem ter que programar folgas e viagens de acordo com os gostos do patrão, sem ter que dizer a ninguém quais serão os primeiros e últimos raios-de-sol que verei ao cabo de um dia, sem saber em que cidade estarei morando nos próximos anos(já morei em tantas), sem saber de nada, ou seja, ausência total de fixidez.Terei um único sol como guia: minha filha, afinal, o amor que lhe dedico e minha posição[de pai] me colocam numa situação de provedor que sempre me foi suave e que nunca deixarei de cumprir; uma tarefa doce e circundada pelos aromas do amor.Minha amada também não terá do que reclamar, nunca recebera flores cujo único cheiro é o de notas sujas e trabalho escravo;recebera ramalhetes colhidos pelas mãos da liberdade e da paixão, e as frutas que lhe forem postas a boca serão colhidas direto da arvore do desejo.
Ainda levara um tempo até que eu esteja formado (Psicologia), de modo que ainda ficarei por essas plagas mais alguns anos.
Depois disso, tomara que eu possa mesmo estar ao lado Del Camino.
Penso em permanecer nesse estado “fluido” por, no mínimo, dez anos, com um único precedente: caso encontre nesse meio tempo algo que seja definitivamente importante para mim e para a humanidade.
Nenhuma outra jaula me segurará.
Espero ser realmente feliz nesse longo período em que estarei debruçado sobre mim, não obstante, sobre o mundo...
E dificilmente não serei, tendo como grandes necessidades a grama úmida e o ar gelado.E uma longa rua para percorrer, chamada Liberdade.
Eis a minha oração para os espíritos livres.


quinta-feira, 5 de maio de 2011

Osama e as Mulheres

O Osama era um sujeito perigoso, usou a mulher como escudo, e agora, mesmo morto, é ainda mais odiado por um mundo felizmente feminista e que vê, no advento da sua morte, a morte deste anti-romantismo que habita o coração do homem moderno (ou “pós”).
O homem bomba pode ser tachado agora de mártir do anti-romantismo: vai ser lembrado para sempre como aquele que fez de sua mulher um objeto de guerra – um escudo.
Os homens brutos como ele serão mesmo capazes de chorar, afinal, demonstrar a sua bandeira anti-romântica assim, publicamente, é mesmo um ato de coragem, heróico, porque, geralmente, esse tipo de homem prefere calar, silenciar, deixar sua parceira perdida no infinito de sentimentalidade e intuição que ela possui. Jogá-la no seu labirinto de emoções e gozar da sua falta de consciência e imaginação coçando o saco, sentindo-se um “machão”, “garanhão”, “destruidor de corações”, comandante dessa nau que eles chamam de relação; e que elas, sabiamente, chamam amor.
O homem bomba operou uma catarse bombástica no coração triste e amofinado da racionalidade feminina.
Agora, as mulheres sabem que o fim do homem que as usa como objeto é um só: a morte; e um velório sem pompa em meio a tubarões e sacolas plásticas.
Certo é que as mulheres já não precisam de homem bárbaro desses.
Certo é que não precisam também de certas flores que circulam por aí, bem longe da primavera...
Agora, aquela lembrança daquele cafajeste que a magoou foi lavada pela bala da US-ÉS-EI(USA).Aquele malandro desvirginador inconseqüente que se foi – pá! Levou bala. Aquele que deu o golpe financeiro e deixou a donzela cheia de contas pra pagar- pá! Aquele outro, que só queria aventura- pá. O espertinho do condomínio- pá. O “do carrão”- pá. O marxista fajuto-pá. O poeta fingidor- pá. O casado e a sua promessa de separação- pá, pá!!! O conquistador da net- pá, pá!!! O namorado que deu aquela “fugidinha” e esqueceu o tíquete de consumação no bolso- pá, pá, pá!!! Todos morreram com o Osama.
E o espírito feminino vingado sente-se na melhor das primaveras...
Para os céticos, basta um olhar mais demorado sobre esse bando de canalhas. Verão que estão mais calados do que nunca. Que lhes falta assunto e ereção como nunca. Que já não estão tão concentrados no polimento do carro e na verificação do estoque de cervejas. Que já não sorriem para qualquer menina de “shortinho”, que já não cospem tanta asneira no mundo...
Um luto profundo.
Uma nostalgia daquele tempo que se podia desprezar uma mulher e ficar ainda mais “gostoso”.
Daquele tempo em que a submissão e a “função-escudo” eram uma condição sine qua non para uma “relação”.
Agora, quando a “mulher-chefe” chega, é recebida de pé.Não é uma questão de medo, puxa-saquismo ou educação; é um caso de morte!!! Aquele modelo folgazão anda cochichando pelos cantos, falando baixinho, excomungando a “patroa”, no entanto, toda vez que vê um cachecol tem calafrios...
Aquele sorrisinho debochando da mulher quando eram chamados de “benhê”, quando escutam isso, olham para trás com lágrimas nos olhos...
A mulher já avançou e superou o homem em inteligência, afinal, tem a formula razão + intuição, que é imbatível.
Só faltava mesmo era a morte do Osama.
Agora, não tenham dúvida, o mundo é delas.
Bombas, agora, só de chocolate...
Oxalá! Aleluia! Amém!!!

terça-feira, 19 de abril de 2011

Sem críticas a burrice, ela não existe mais.

Cheguei a uma conclusão fenomenal, que, talvez, seja um alento: não existe mais burrice. Existe, sim, uma caixa louca de sonhos: O MUNDO.
Poderia ir mais longe, afirmando, segundo a minha filosofia de boteco nublada pelo antialérgico, que, desse modo, não existe sequer inteligência. Mas eu não afirmaria isso, pois essa ultima tiraria toda a nobreza e potência da primeira.
A lógica é simples: não há burrice, todos são inteligentes; uma maravilha. Perfeição da natureza, brilhantismo de Deus, azar do diabo.
Quanta discussão seria abrandada se partíssemos daí.
Doutores, mestres, graduados teriam que vender o seu peixe bem longe desse planeta e o bom e velho Peão Xadrez seria o rei de toda essa maquinaria.
Aquela pecha dos médicos, aquele olhar metido dos mestres, aquela pronuncia afetada dos advogados, a complexidade dos físicos, tudo morto. Estanque. Assunto de boteco, perda de tempo, falta do que fazer. Bobeira.
Aquele compendio de equações de física quântica ia ser devorado pelas traças com apetite.
Platão ia descansar em paz. Não ia reaparecer tão cedo. Talvez nos devaneios loucos de uma putinha, essas de bairro, que ficam em casa sonhando com “homens de posse ou pose”.
Heráclito e Parmênides seriam revistos sob a ótica narcisista de alguma loba inconformada com seus glúteos flácidos.
O Einstein seria inspirador de cabeleireiros.
Aquele chefe que carrega em si as insígnias do “expert sem inteligência” ia ficar muito feliz. Felicíssimo.
Todo o saber mais profundo carregaria em si a maior das banalidades.
Essas frases que eu ouço em todo lugar, do “Oiapoque a Uni”: isso não é interessante. Isso não tem relevância. Conversa pra boi dormir. Discurso vazio. Lábia. Lorota. Falácia. Auto-afirmação, tudo isso poderia ser colocado nos dicionários. Seriam as mais nobres verdades.
Se um dia estivessem Lacan e Freud a discutir psicanálise num banco de praça qualquer, isso seria um enfado até para os pombos.
A ausência de burrice ia nos deixar tão à vontade para criticar qualquer esforço “intelectual”, afinal, a negativa também seria deveras inteligente, ora bolas.
Se Deleuze falasse de simulacro, o máximo que conseguiria seria um contrato com a Microsoft e, se por vaidade, decidisse falar em “devir”, bem, poderia conseguir uma “boquinha” na globo como substituto do Mister M ou da mãe Dina.
Friedrich Nietzsche seria usado pelas mães como trava-língua, brincadeira para crianças em período de aquisição da linguagem.
O mundo é uma caixa louca de sonhos, solamente.
Provas? Para que? Quem haveria de reprovar?
Maldito seria o egoísta metido a besta que a formulou. Zombariam dele na praça. Crianças diriam: mãe, aquele não é o semideus que acha que precisamos de provas? E sua mãe diria: sim, ele mesmo. Coitado dele, né, mãe, deve estar louco...megalomania, né, mãe?
O fato de Joana amar e não ser amada não ia ser mais burrice, ia ser inteligência. Ia ser humanismo. Humanismo seria inteligência. Outra formulação que só é possível com a eliminação da burrice, infelizmente.
A burrice é o bordão da pós-modernidade para categorizar quase tudo que é humano. Afinal, ser humano não incide em ser imparcial, e tudo que é parcial não é cientifico, e tudo que não é cientifico é alternativo, e o que é alternativo é lixo, ou não?
Relações de poder seriam relações de igualdade.
Preto, pobre, branco, pobre, rico pobre, todos absolutamente inteligentes.
Os cargos de comando iam ser ocupados por uma virtude vitalícia, quase monárquica: o nepotismo. Abaixo do presidente os filhos dos pobres e sofredores. Simples.
Sem esse discurso de despreparo, de falta de títulos, de educação para lideranças, isto é, os reis seriam reis e o resto seria o resto, sem dor.
Aqueles excêntricos trancados dentro de laboratórios atrás de vacinas seriam só isso:excêntricos, afinal, a vacina seria descoberta por qualquer distribuidor de balas em semáforos.Bala? Bala? Bala? Bah! Tive uma grande idéia! E puff! Adios câncer.
Todo texto inextrincável seria “leitura-de-trono”. Mais proveitoso seria desenhar.
Com a extinção da burrice, a frase: “vamos direto ao ponto” ia ser fundamental.
Coitado daquele que ousasse problematizar. Para que? Quem não entendeu? Quem precisava de mais explicações? Quem?
Quem perguntasse seria executado em praça pública...
Pobre daquele que tentasse lançar mão de explicações mais formuladas: um “aparecido”.
Universidades seriam uma convenção social: lugar de lixar as unhas, arrumar maridos-filhos-de-reis ou ases, vitrine para aquele par de sapatos novos, dotes físicos, parafernálias eletrônicas, encontros carnais, feira de automóveis, teatro blasé, pólo gastronômico e, para os mais a esquerda, laboratório de vaidades.
No lugar das enormes bibliotecas erigiriam um templo para as fofocas via MSN.
O mais nobre dos livros seria o livro dos risos.
Ademais, diriam, parafraseando Pessoa: temos em nós todo conhecimento do mundo.

Estranho...

segunda-feira, 21 de março de 2011

Pessoas que não passam

Outro dia estava escrevendo um verso em que citava: Estampidos de balas da Gestapo (fico imaginando a força de um verso desses, já que não há, no mundo, quem não consiga visualizá-los (tiros em inocentes em campos de concentração nazista, seguidos de frases intricadas de um alemão ditador de poucas vogais). Fiquei imaginando como certos tipos de cenas se arraigam na nossa mente como se as tivéssemos presenciado; como elas têm potencia, ou, ainda, talvez caiba a fala do Pessoa que diz que o poeta é um fingidor, para explicar essa familiaridade...
Como estudante Psi, dei atenção especial ao afeto, ao tipo de traço que faz esse registro subjetivo singular e inconfundível. E foi numa dessas conjecturas que eu acabei enveredando para outro caminho: o da relação urbanóide.
Não sei por que cargas d água eu sempre critiquei as relações construídas na cidade grande. Na verdade, eu sei. Esta velocidade, esta sensação de clímax, este agito que dura 24hs por dia da impressão de que nada é fixo, tudo é mutável, volúvel e instável.
Gente que se conhecia no trem, num daqueles papos sobre literatura ou música motivado pela camisa de um, ou pelo livro de outro. E nunca mais se via. Gente que se conhecia na “balada”, ficava, fincava e desaparecia. Pérolas de encontros, sede de destino. Gente que se conhecia no trabalho, trabalhava anos juntos, de repente, troca de trabalho e desaparece; perde-se no sem-fim de oportunidades e endereços e distancias do mundo capitalista. Gente que foi colega de faculdade, amigo, parceiro de trabalhos e tramóias. Fim de curso, um vai para o interior, outro vai para a Bósnia e fim de papo.
Ficava remoendo essas impressões, lembrando dos meus amigos de infância que seguem morando nos mesmos lares numa província do interior a décadas.Mudaram por dentro e por fora, para alem do bem e do mal já não são os mesmos, entretanto, estão lá, firmes, prontos para aquele reencontro e puxão de orelha porque, segundo eles, demoro muito a “aparecer”.
Na cidade, o caos.pensava que as pessoas da cidade estavam preocupadas demais com suas formações e formulações para vencer na vida: cursos, projetos, intervenções, vida social, aperfeiçoamento profissional e mais uns dois mil etceteras...pensava ate que nem se importavam, que o contato exaustivo com milhões de toneladas de aço e concreto tinham tornado tudo insípido, gelado, na melhor das hipóteses, morno: uma massa humana desejante que sonha com algum pódium inalcançável e, a bem da verdade, pobre demais para servir como norte,baliza, paradigma para a mais ínfima das existências, um sonho tolo.
Confesso que isso me entristecia.
Mas, há poucos dias, somente há poucos dias, passados mais de uma década levando a vida de urbanoide, é que pude entender o modus operandi das relações em uma cidade grande: não cidade grande as pessoas, o afeto por aqueles que nos cativam, ou a quem cativamos, não passa.
Vão-se os dias, meses, anos, e ele permanece intacto, cultivado por algum tipo de acordo tácito inalienável de amor e esperança de que o destino ainda irá uni-los novamente, de que haverá um reencontro, de que tudo e todos que desejam estar juntos estarão, mais cedo ou mais tarde, ao pé um do outro.
Talvez alguns mais esclarecidos pensem, sentados em qualquer obviedade: mas é claro que os afetos não passam, nem aqui, nem no interior, nem no sul do Sudão! E estão certos. A única coisa que eu queria dizer com tudo isso é que o que realmente faz diferença é se dar conta de que todos que conhecemos e que por fins diversos foram levados para mares distantes estão ainda conectados a nós com a mesma potência, com o mesmo laço de amor e amizade, com a mesma paixão.
Isso é que faz diferença: Sentir; e sentir é saber que orienta toda e qualquer existência. Sentir que não foi um encontro en passant, que foi uma história única, indelével e fecunda, e que os “nós” amarrados com o cordão do afeto estão todos presos em um tipo de limbo e que regressarão assim que o tempo tratar de unir as mãos, as vozes em coro, os braços em abraços, os risos em gargalhadas.
Esse saber despertou-me para aquilo que eu, cultivador do amor, mas destruidor de sonhos, poeta, mas matemático, esquerdista defensor da liberdade, bundão, estava querendo esquecer: tem pessoas que não passam.


“O amor é uma força, uma energia, que se manifesta
 na alma como um sentimento de lembrança de algo
 que a alma já teve, mas perdeu.” Platão.

“ Perdeu nada, Platão!!!”. Edson Leal

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A arte e a “nossa” vida

“Yes and how many ears must one man have
  Before he can hear people cry?"
(“Sim e quantas orelhas precisará ter um homem,
Antes que ele possa ouvir as pessoas chorarem?”)

                                                        Dylan


“ Ideologia, eu quero uma pra viver”

                                                       Cazuza



Dylan compôs essa canção em 1962. Cazuza, em 1988.

Dylan estava antevendo o que aconteceria posteriormente, em 1968, quando o mundo, começando pela frança, decide romper de vez com uma tradição maçante, voraz, oriunda de um tipo de capitalismo antropofágico. Acredito que foram poucas às vezes em que o idealismo esteve tão fortemente arraigado na mente e no espírito humano, a ponto de fazer uma corrente atravessar todo o ocidente clamando por “liberdade, igualdade e fraternidade”.Foi um grito que ecoou dentro de cada casa, de cada viela, de cada metro quadrado dominado pelo imperativo da submissão; e mesmo em países como o Brasil, que vivenciavam uma ditadura, ele se fez ouvir através de canções, de peças de teatro, manifestações públicas, enfim, através de ritos potencialmente subversivos.

Em 68 as pessoas estavam dispostas a ocuparem o lugar “humano demasiado humano” do qual foram desposadas ao se tornarem extensão de um processo maquinico, de se tornarem engrenagens de um movimento (capitalismo) que, segundo Marx, acabou com a magia das relações familiares tornando-as relações meramente comerciais.

Neste período de ideologias, o homem viu renascer a fênix grandiosa do amor e da esperança.

Entramos de “sola” na era das liberdades.

Mas, como “o tempo não pára”, logo ali, na esquina, em 1980, Cazuza já estaria clamando por uma ideologia, cantando “ideologia, eu quero uma pra viver”; era o brado do poeta estilhaçado, infectado mortalmente por todas as liberdades a que se tinha dado direito e que, de certo modo, herdara daquele “Maio de 68”.Ou seja, passado pouco mais de duas décadas mergulhado em profundo liberalismo, o homem moderno já estava sufocado novamente pela realidade; e precisa de um outro ideal para curar as chagas desenvolvidas em décadas de abusos e experimentalismos egocêntricos.

Se gerações oprimidas possibilitaram a seus descendentes um mundo de aparente igualdade e de culto a liberdade e ao prazer (em suma, um período de gozo), essas gerações descendentes tendo mergulhado nesse gozo acordaram decadentes e desorientadas a ponto de exigirem, inda que tacitamente, que seus pais fossem rígidos, inda que minimamente... O que deve ter colocado, definitivamente, uma pulga atrás da orelha “dos coroa”!!!

Foi neste meio, de gozo e de necessidade de um “pai doutrinador” que nasci; e inda mais, metade da minha família (a metade materna) optara por seguir a religião como principio absoluto, como norte, como contraprova de todo comportamento, uma postura,digamos, ortodoxa. Ao passo que, no braço paterno, todos optaram por uma vida sem limites e orientações morais que, ou consideravam desgastadas demais para seguirem, ou simplesmente ignoravam, dada a satisfação pungente da possibilidade de gozo eterno, em suma, uma polarização interessante...

Posteriormente, ou por ser, de fato, contemporâneo dessa geração “hy-tech”, cresci, dadas as proporções, junto com a malha de fibra ótica brasileira e, talvez por isso, não lhe tenho grande apreço, como ocorre, por exemplo, com Esaú e Jacó...

Agora, que somos absolutamente livres e, analogamente, presos, perversamente... que queremos desfrutar do nosso tempo com gozo mas somos castigados pelos alertas de um superego que quer estar a frente para poder lucrar com isso, agora, que misturamos os ideais românticos com toda racionalidade possível, cabível, descaradamente...agora, que a internet tornou-se uma espécie de Àgora (virtual), que adentramos no mundo do simulacro, que somos milhões de seres encarcerados num terreno amplamente urbanizado (selva de pedras), que participamos de redes sociais que carregam em si o status de “aldeia global”, agora, que vivemos bem perto de um “comportamento esquizo”, somos capazes de conformar esses dois refrãos, de experiência-los juntamente, embora estejamos sempre mais confusos, e com a sensação de que eles já não nos servem mais.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Quase uma epopeia

Mais um ano se passa.
Agora trintão, o menino do interior que queria ter um castelo aos vinte e cinco tem. Na verdade, tem três.
Virou o ano trabalhando como a muito, e não vê ai nem um mal.
Desde os contos libertinos, de Coelho a Van Gogh, de Quixote a Nietzsche, de Sthendal a Deleuze muitas águas se passaram.
Aqueles passeios com os outros meninos pós-expediente acabaram, os sonhos acabaram também.
Tem um mundo aos seus pés, um mundo que deseja, que pulse, que sonha, que é alucinadamente sedutor.
Mas que, no entanto, quase sempre lhe escapa a vista, a possibilidade, ao tiro.
É teatro para muitos, que respirem.
É Circo para outros, que riam.
É um pedaço de todos.Põe na receita um pouco de aprimoramento, duas leituras de Kant, um pouco de vinho, ou cerveja com amigos, um pouco de sonhos, duas metas, duas meias faculdades, um sem-fim de quilômetros de experiências, duas gotas de cansaço, um sorriso, um cabelo meio-grande-meio-curto, uma paixão por curtas, duas pitadas de cinema, uma dúzia de boas canções compostas, experiências sexuais (amor puro, pura putaria), dois pesos de liturgia (aquele canto gregoriano dos mosteiros na época de retiro que não sai da cabeça assim como aquela moça Batista na fila do Nacional falando sobre o poder da palavra e sua não desmistificação para aqueles capazes de ler-lhes apenas com o crivo da razão.Um pouco de filosofia desregrada, um pouco de poesia inacabada, um tanto de desdém por si.
Ali, ao lado, os outros. Comigo.
Todos os sonhos se unem como favos de mel...lindas mulheres, homens, crianças(divinas) com seus doces, mendigos, prostitutas, executivos, executadores, excrementadores, odores franceses e franciscanos, planos, paradas em toilletes podres, perfumes de velório, acordes de jovens músicos sonhadores, sinopses, leitores ávidos de manuais de concursos públicos, de diário gaucho, de mamilos rosados escondidos por sobre o tecido fino daquela jovem flor que se exibe com orgulho agarrada sexuadamente a barra de segurança...
A falta do Outro presente na extravagância americanizada do all star da molecada metralhada pelo melhor e pelo pior do american way life, no Oix dos mano, das mina, no olhar demente do prodigo consumidor de crack e de famílias.
Uma reunião com um dirigente de uma grande corporação pela manhã; à tarde, um picolé entregue na mão imunda de um moleque suburbano evidentemente preto e evidentemente fadado a ouvir a mesma balela liberalista de que toda essa porra de mundo é igual em oportunidades, em direitos e, por fim, em deveres; ah!ah!ah!ah! somente com histeria se suporta esse drama sem fim...
Passei a virada do ano com gente de todo tipo: como você, narcisista e metido(a) a intelectual, gente grosseira,gente faceira, gente rica- pobre- feliz, gente podre-rica-feliz, gentes tristes, gente inovadora,plug-and-play, gente Emotiva, radioativa, transexual...gente como você, que não sabe quem é, não sabe o que fazer, não sabe nos braços de quem sofrer, não sabe para quem mostrar os poucos troféus, não sabe acreditar de verdade naquele planejamento que da inveja na vizinhança...gente como eu, gentes gente-fina.Uma destoava das outras por assumir, assim, na laje, que bastava dar “feliz ano-novo” para a mãe que correria para vender o boné que ela lhe deu a pouco para fumar uma pedra...
Jovem, dionisíaco, traços finos em meio a uma arquitetura pitoresca; um morto-vivo ao vivo regando o riso de todos.
Aquele jovem era o teatro, era o ator, era a vida.
E os risos da platéia ecoavam por saber que também estávamos tapando o sol com algum boné que será vendido logo ali a diante.
Ohhhh!!! Que cenário de horror!!! Dirá algum leitor mais hipócrita e/ou conservador...
Mas espia dentro de ti, Fariseu, e verás que em ti, ou ao teu redor, um próximo, parente, família, que acorda todos os dias cansado de estar cansado e não poder fazer nada a não ser ir para o “pais das maravilhas” com algum bagulho junto e misturado, ou dar para alguém por dinheiro para sustentar os mais diversos vícios, ou assassinar a própria vida em detrimento de um sonho pequeno burguês que jamais será totalmente alcançado.
Espia a liberdade como eu. Mas sejamos escravos o mínimo possível.
Porque a nossa vida é quase uma epopéia.
E o menino já desconfia de tudo.
E que tudo pode ser possível.