segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A arte e a “nossa” vida

“Yes and how many ears must one man have
  Before he can hear people cry?"
(“Sim e quantas orelhas precisará ter um homem,
Antes que ele possa ouvir as pessoas chorarem?”)

                                                        Dylan


“ Ideologia, eu quero uma pra viver”

                                                       Cazuza



Dylan compôs essa canção em 1962. Cazuza, em 1988.

Dylan estava antevendo o que aconteceria posteriormente, em 1968, quando o mundo, começando pela frança, decide romper de vez com uma tradição maçante, voraz, oriunda de um tipo de capitalismo antropofágico. Acredito que foram poucas às vezes em que o idealismo esteve tão fortemente arraigado na mente e no espírito humano, a ponto de fazer uma corrente atravessar todo o ocidente clamando por “liberdade, igualdade e fraternidade”.Foi um grito que ecoou dentro de cada casa, de cada viela, de cada metro quadrado dominado pelo imperativo da submissão; e mesmo em países como o Brasil, que vivenciavam uma ditadura, ele se fez ouvir através de canções, de peças de teatro, manifestações públicas, enfim, através de ritos potencialmente subversivos.

Em 68 as pessoas estavam dispostas a ocuparem o lugar “humano demasiado humano” do qual foram desposadas ao se tornarem extensão de um processo maquinico, de se tornarem engrenagens de um movimento (capitalismo) que, segundo Marx, acabou com a magia das relações familiares tornando-as relações meramente comerciais.

Neste período de ideologias, o homem viu renascer a fênix grandiosa do amor e da esperança.

Entramos de “sola” na era das liberdades.

Mas, como “o tempo não pára”, logo ali, na esquina, em 1980, Cazuza já estaria clamando por uma ideologia, cantando “ideologia, eu quero uma pra viver”; era o brado do poeta estilhaçado, infectado mortalmente por todas as liberdades a que se tinha dado direito e que, de certo modo, herdara daquele “Maio de 68”.Ou seja, passado pouco mais de duas décadas mergulhado em profundo liberalismo, o homem moderno já estava sufocado novamente pela realidade; e precisa de um outro ideal para curar as chagas desenvolvidas em décadas de abusos e experimentalismos egocêntricos.

Se gerações oprimidas possibilitaram a seus descendentes um mundo de aparente igualdade e de culto a liberdade e ao prazer (em suma, um período de gozo), essas gerações descendentes tendo mergulhado nesse gozo acordaram decadentes e desorientadas a ponto de exigirem, inda que tacitamente, que seus pais fossem rígidos, inda que minimamente... O que deve ter colocado, definitivamente, uma pulga atrás da orelha “dos coroa”!!!

Foi neste meio, de gozo e de necessidade de um “pai doutrinador” que nasci; e inda mais, metade da minha família (a metade materna) optara por seguir a religião como principio absoluto, como norte, como contraprova de todo comportamento, uma postura,digamos, ortodoxa. Ao passo que, no braço paterno, todos optaram por uma vida sem limites e orientações morais que, ou consideravam desgastadas demais para seguirem, ou simplesmente ignoravam, dada a satisfação pungente da possibilidade de gozo eterno, em suma, uma polarização interessante...

Posteriormente, ou por ser, de fato, contemporâneo dessa geração “hy-tech”, cresci, dadas as proporções, junto com a malha de fibra ótica brasileira e, talvez por isso, não lhe tenho grande apreço, como ocorre, por exemplo, com Esaú e Jacó...

Agora, que somos absolutamente livres e, analogamente, presos, perversamente... que queremos desfrutar do nosso tempo com gozo mas somos castigados pelos alertas de um superego que quer estar a frente para poder lucrar com isso, agora, que misturamos os ideais românticos com toda racionalidade possível, cabível, descaradamente...agora, que a internet tornou-se uma espécie de Àgora (virtual), que adentramos no mundo do simulacro, que somos milhões de seres encarcerados num terreno amplamente urbanizado (selva de pedras), que participamos de redes sociais que carregam em si o status de “aldeia global”, agora, que vivemos bem perto de um “comportamento esquizo”, somos capazes de conformar esses dois refrãos, de experiência-los juntamente, embora estejamos sempre mais confusos, e com a sensação de que eles já não nos servem mais.