quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

A [re] invenção do cotidiano: um grito que irrompe das minas de carvão (Id).

Certeau faz uma longa e bonita análise sobre as micropoliticas e microresistencias que o “estranho”, o “ruído sem voz” lança mão para não ser, de fato, consumido pelo totalitarismo capital, isto é, pelas táticas incansáveis do capitalismo para nos por no jogo eterno e assassino da oferta x procura, da busca por objetos totais, da dança sem fim atrás da felicidade que se esconde por detrás de um pote de Doriana.
Eu, que novamente habito uma mina de carvão, decidi refletir sobre essas “malandragens” sob o viés da psicanálise e tive uma iluminação [ainda que remotamente original]: nunca seremos domesticados, basicamente porque, tendo por detrás da polidez do contrato social um inconsciente, temos a tendência a buscar satisfação. Mesmo quando essa satisfação se maquiar de objetos totais a partir do uso de “tecnologias del controle”, nós seremos capazes de, inconscientemente, descobrir que estamos ‘comendo-balas-com-plastico-e-tudo’ e lançar mão de estratégias para poder “comer” sem estar sendo, de fato, comido.
Com base nessa profusão confusa de teóricos, compartilharei algumas dessas microresistencias que eu suponho identificar no ‘barato’ do meu cotidiano: o comerciante afinado com religiões abnegadas que estoca ouro no quarto dos fundos; a menina bonita que abandona a fluoxetina e encara a vida de frente; o camarada que come as gatinhas ricas com “camisinhas” fornecidas pelo estado, o artista que toca uma de suas canções no meio do ‘pacote’ contratado pelo chatissimo dono de pizzaria nomeando-a como uma canção do Chico; a mãe que rouba iogurte para o filho no meio dos peitos fartos; a menina que viaja de uma estado ao outro em busca do amor mesmo sendo apaixonada por Thoreau; do camarada peso-pesado que se recusa a tomar água com açúcar light para satisfazer a demanda da cultura; da moça prendada que ‘corneia’ o marido agressivo em busca de amor; do filho que ouve “people are strange” só para ser olhado pelo pai que ama o Wagner...Não raro, nestes meus exemplos, é possível vislumbrar aquilo que, comumente, denominamos “desvio de caráter”.Mas, afinal, para que mesmo serve a moral e a ética no cotidiano? Desde que nos tornamos “esclarecidos”, elas não fazem outra coisa senão favorecer o ideal burguês, o vitalício desejo de controle e disciplina do patrão que, enriquecendo às custas do trabalho do operário, insiste no velho bordão da correção e da honestidade como princípios fundamentais de toda e qualquer existência[o que compõe uma paradoxo interessante quando pensamos que ele enriquece, ganha em media mil vezes mais que o funcionário, tem grandes perspectivas e, de quebra, engendra mecanismos para manter os seus humildes servos presos no seu esquema alienante...]. Quando Freud narra o ‘nascimento do superego’ a partir do assassinato do “homem primevo” [o chefe da horda], ele inaugura uma das mais belas narrativas alegóricas que conheço, entretanto, uma vez na mão das pessoas erradas, tal conhecimento passou a servir de aparato psíquico para a subserviência. Deste modo, percebe-se que ego [enquanto instancia de conciliação, self] e superego [instancia de doutrinação] não passam de dois ‘diabinhos maquinando contra o próprio eu’... Felizmente, no meio desse arsenal de ‘tecnologias’, há um sujeito bacana e com muita vontade de potencia: o Id; e é exatamente este nosso Guevara interior que nos possibilita , enquanto indivíduos ou coletivos, utilizarmos táticas de confrontação sutil, ou malandragens para escapar a vontade de homogeinização da ‘cultura global’ e suas identidades “Pret a Porter”.
Meu período nessa adorável mina de carvão esta se esgotando e eu estou bastante satisfeito com a potência inesgotável dos seus gritos, desses movimentos viscerais...
Pena que muitos aqui não estejam dispostos a escutar... Talvez com medo de ouvir “que o pior de tudo é perceber, que apesar de tudo, tudo que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais...”.