Já faz algum tempo que eu venho observando um comportamento peculiar de quase todas as pessoas para com os estudantes de psicologia; um comportamento que se revela, a um só tempo, (tragi)cômico e intrigante. Falo do tom de confissão com que os amigos fazem toda sorte de perguntas a respeito de uma serie de comportamentos que eles observam, a principio, nos amigos, parentes, vizinhos, estranhos, etc., mas para as quais não encontram respostas racionais.
O que é (tragi)cômico, nesse tipo de postura, é a necessidade explicita da pessoa de uma resposta imediata para um problema ou situação que necessitaria de uma serie de analises e diferentes abordagens para ser solucionada e/ou esclarecida. Por exemplo, quando estou com um amigo[a] e encontramos um amigo dele[a] que eu desconheço e, por vias do acaso, ele[a] acaba mencionando que sou estudante de psicologia, o sujeito, que até então era um estranho, começa, gradualmente, a fazer uma serie de questionamentos sobre determinados comportamentos ou conceitos específicos da psicologia para as quais busca uma resposta mágica,pragmática.
Conceitualmente, eu não vejo ai nenhum problema, pois os conceitos fundamentais da ciência psicológica apresentam certa unidade, de modo que as diferenças pontuais entre alguns autores não modificam a raiz do conceito, como se percebe,por exemplo, em Winnicott, Melanie Klein ou Freud com relação à importância da mãe para o desenvolvimento sadio (em sentido amplo) da criança. Entretanto, quando o individuo exige (de modo tácito, obviamente), uma explicação para o homossexualismo do vizinho, para a esquizofrenia do tio, para a impotência do irmão, para o consumismo da irmã, para a agressividade do chefe, para a melancolia do amigo, eu fico perplexo.
Ressalto que não vejo tais perguntas como inoportunas, ou chatas, ou inconvenientes, tampouco quem as profere. O que me deixa perplexo é a latência do racionalismo e pragmatismo na nossa cultura. É nesse momento que fica evidente a necessidade da sociedade moderna (ou pós-moderna, como muitos adoram dizer, e que de certo modo acabou virando clichê, mas que eu desacredito, e para isso faço minhas as palavras de A.Cícero em seu livro O mundo desde o Fim) de obter respostas imediatas, de desarticulação do subjetivismo, de “ir direto ao ponto”.
Certa vez, em um seminário na universidade, ouvi dizerem que a nossa educação não foi desenvolvida para “produzir (ironia) pensadores” e que a raiz desta orientação cartesiana estaria voltada para o tecnicismo e, posteriormente, para a produção (aqui em sentido estrito).Como os meios de produção nunca exigem mais do que uma vista curta, esse hábito acabou por encurtar também a capacidade da grande maioria dos indivíduos de pensar com lucidez que lhe garanta algum discernimento,de modo que suas conjecturas são superficiais.) Lembro de ter comentado com um colega que aquilo era a explicação mais acertada para a ojeriza que a juventude (de modo geral) tem para com a filosofia, poesia, literatura, etc. e, em contraponto, por todo “amor” que devotam a tudo que é técnico, aparentemente científico, comprovado por uma percepção epistemológica inabalável, ou, trocando por miúdos, que seja Útil.Entretanto, esses inquisidores de toda a arte e filosofia nunca pararam pensar que elas são, na verdade, potencializadoras da capacidade analítica e de tudo que há de mais louvável na essência humana.
Estas perguntas, tão despretensiosamente pronunciadas, acabam fazendo com que eu me revire com tantas outras questões essenciais. Fico pensando, por exemplo, que este paradigma medicamentoso é só uma espécie de placebo para uma realidade que exige velocidade e não compreensão; e que, novamente, tenho que encarar a dialética do desejo, ou seja, é assim porque foi imputado no paciente, ou é porque é uma exigência do desejante, que nesse caso, deixaria de ser paciente para se tornar exigente?
Confesso que sempre fico impressionado com a negação da importância do simbólico na nossa cultura. Esta vontade de equacionar os dilemas humanos (demasiado humanos), para que, a posteriori, obtenham-se respostas imediatas a cerca de seus problemas com cálculos simplórios é, em si, a concretização de uma patologia.
Este objetivismo já impossibilitou a prática psicanalítica na rede pública de saúde, com a alegação de que seriam necessárias muitas (ou infinitas) consultas para se atingir um resultado satisfatório. Então, partiu-se para a frieza da prancheta e das cartilhas de medicamentos, enfim, para os médicos-piloto (analogia com os professores-piloto, ou seja, professores que não possuem plano de aula e que utilizam somente o livro didático.)
São constatações intrigantes, tema para um livro.
Todavia, para todos aqueles que pensam que todo esse discurso é uma bobagem, resta crer que há, nos estudantes de psicologia (que flertam com a mitologia), uma grande herança “genética” dos oráculos.