segunda-feira, 21 de março de 2011

Pessoas que não passam

Outro dia estava escrevendo um verso em que citava: Estampidos de balas da Gestapo (fico imaginando a força de um verso desses, já que não há, no mundo, quem não consiga visualizá-los (tiros em inocentes em campos de concentração nazista, seguidos de frases intricadas de um alemão ditador de poucas vogais). Fiquei imaginando como certos tipos de cenas se arraigam na nossa mente como se as tivéssemos presenciado; como elas têm potencia, ou, ainda, talvez caiba a fala do Pessoa que diz que o poeta é um fingidor, para explicar essa familiaridade...
Como estudante Psi, dei atenção especial ao afeto, ao tipo de traço que faz esse registro subjetivo singular e inconfundível. E foi numa dessas conjecturas que eu acabei enveredando para outro caminho: o da relação urbanóide.
Não sei por que cargas d água eu sempre critiquei as relações construídas na cidade grande. Na verdade, eu sei. Esta velocidade, esta sensação de clímax, este agito que dura 24hs por dia da impressão de que nada é fixo, tudo é mutável, volúvel e instável.
Gente que se conhecia no trem, num daqueles papos sobre literatura ou música motivado pela camisa de um, ou pelo livro de outro. E nunca mais se via. Gente que se conhecia na “balada”, ficava, fincava e desaparecia. Pérolas de encontros, sede de destino. Gente que se conhecia no trabalho, trabalhava anos juntos, de repente, troca de trabalho e desaparece; perde-se no sem-fim de oportunidades e endereços e distancias do mundo capitalista. Gente que foi colega de faculdade, amigo, parceiro de trabalhos e tramóias. Fim de curso, um vai para o interior, outro vai para a Bósnia e fim de papo.
Ficava remoendo essas impressões, lembrando dos meus amigos de infância que seguem morando nos mesmos lares numa província do interior a décadas.Mudaram por dentro e por fora, para alem do bem e do mal já não são os mesmos, entretanto, estão lá, firmes, prontos para aquele reencontro e puxão de orelha porque, segundo eles, demoro muito a “aparecer”.
Na cidade, o caos.pensava que as pessoas da cidade estavam preocupadas demais com suas formações e formulações para vencer na vida: cursos, projetos, intervenções, vida social, aperfeiçoamento profissional e mais uns dois mil etceteras...pensava ate que nem se importavam, que o contato exaustivo com milhões de toneladas de aço e concreto tinham tornado tudo insípido, gelado, na melhor das hipóteses, morno: uma massa humana desejante que sonha com algum pódium inalcançável e, a bem da verdade, pobre demais para servir como norte,baliza, paradigma para a mais ínfima das existências, um sonho tolo.
Confesso que isso me entristecia.
Mas, há poucos dias, somente há poucos dias, passados mais de uma década levando a vida de urbanoide, é que pude entender o modus operandi das relações em uma cidade grande: não cidade grande as pessoas, o afeto por aqueles que nos cativam, ou a quem cativamos, não passa.
Vão-se os dias, meses, anos, e ele permanece intacto, cultivado por algum tipo de acordo tácito inalienável de amor e esperança de que o destino ainda irá uni-los novamente, de que haverá um reencontro, de que tudo e todos que desejam estar juntos estarão, mais cedo ou mais tarde, ao pé um do outro.
Talvez alguns mais esclarecidos pensem, sentados em qualquer obviedade: mas é claro que os afetos não passam, nem aqui, nem no interior, nem no sul do Sudão! E estão certos. A única coisa que eu queria dizer com tudo isso é que o que realmente faz diferença é se dar conta de que todos que conhecemos e que por fins diversos foram levados para mares distantes estão ainda conectados a nós com a mesma potência, com o mesmo laço de amor e amizade, com a mesma paixão.
Isso é que faz diferença: Sentir; e sentir é saber que orienta toda e qualquer existência. Sentir que não foi um encontro en passant, que foi uma história única, indelével e fecunda, e que os “nós” amarrados com o cordão do afeto estão todos presos em um tipo de limbo e que regressarão assim que o tempo tratar de unir as mãos, as vozes em coro, os braços em abraços, os risos em gargalhadas.
Esse saber despertou-me para aquilo que eu, cultivador do amor, mas destruidor de sonhos, poeta, mas matemático, esquerdista defensor da liberdade, bundão, estava querendo esquecer: tem pessoas que não passam.


“O amor é uma força, uma energia, que se manifesta
 na alma como um sentimento de lembrança de algo
 que a alma já teve, mas perdeu.” Platão.

“ Perdeu nada, Platão!!!”. Edson Leal

4 comentários:

Anônimo disse...

Lembra do tempo das peladas no são josé? Aquela galera toda não passa...
abração, amigo.
Nei

Edson Leal disse...

Claro, Magal...Bons tempos de "porcobol"...rsrsrrs
abração.

Elídia :) disse...

tomara q não passe, eu não quero q passe, não vai passar,ih, já passou...
P.S. "Te coloquei" na lista de blogs lá no bloguito, bêj.

Anônimo disse...

Oi colega...
Adorei teu texto...realmente, acho que não passam.
Tudo que entra na nossa vida fica, de um modo ou outro.

Carine