domingo, 19 de junho de 2011

O principio

No principio, era um instinto. Depois, fora investido de linguagem e virou “eu”. Eis a minha teoria para a natureza da complexidade da vida humana.
O roteiro é bem simples, simplíssimo e não vou tentar torná-lo hermético: nascemos e, à medida que crescemos, tornamos os objetos primordiais tão complexos que, definitivamente, deixamos de conhecê-los.
Fica o exemplo bom vivant: comer, no começo é chorar e comer. Um chorinho aqui, outro ali e o “seio bom” salta aos olhos e sorrimos, bebes lindos[todos os bebes são lindos] e satisfeitos.Olhos comprimidos, ligeiramente escuros, com um brilho análogo ao de uma estrela cadente, umas bochechas coloridas e um riso bem fácil.Então, saciados e sem muito o que fazer, passamos a engendrar maluquices para compor a nossa subjetividade.Um pouco maiores, já não basta-nos somente o seio.È preciso ter a mãe para si.Tê-la por ali, vigiando-nos e falando naquele bom e velho “manhês”, aquecendo-nos, colorindo-nos, inventando apelidos pitorescos, ninando, cantando...depois, seguindo a trilha do verbo comer, começamos a escolher o que queremos comer, começamos a selecionar alimentos, começamos a selecionar temperos, a escolher “marcas”, temperaturas, cheiros, origens e, por fim, para provar que adoramos o hermetismo, atribuímos um valor estético ao alimento.Já não basta que seja um alimento, é preciso que seja, também, bonito, sofisticado,original; é ou não é o caos?
Para aquelas que não parceiras que não se convencem com facilidade das minhas pobres teorias, então, adotemos um tema mais picante... Sexo.No começo é perverso polimorfo, isto é, pode se ter prazer de muitas formas, enfim, prazer, apesar de ser de uma forma primitiva.Atravessados todos os “Édipos”, já não basta mais aquela alisadinha...Chegamos a adolescência com a típica efervescência hormonal, masturbação, ereções repentinas, professoras escandalizando inconscientemente os nossos desejos com aqueles vestidos de verão finíssimos, aquelas peles joviais, aqueles seios(falaremos da disciplina depois, ironicamente...); as colegas que odiávamos até bem pouco tempo começam a ter contornos que nos tiram de orbita com um balançar de cabelos, começamos a adorar os decotes e as saias;entretanto, ainda aí, há muito de simplicidade e o homo-sapo consegue ter um prazer imenso com a sua masturbação.com o tempo(e sorte) arrumamos uma parceira, uma paixão, um “pathos”.Então, nada no mundo, absolutamente, supera a delicia de explorar a intimidade feminina, viramos metrônomos ensaístas que adoram variar o tempo do “vai- não – vai”; orquestradores que adoram acelerar e desacelerar o ritmo das coisas... Mas, como somos bem estranhos, precisamos inventar mais coisas; é preciso que a mulher goze, depois, é preciso que ela goze junto, sincronia total, depois, é preciso que ela goze antes, depois goze duas, depois três, depois, nossa... é preciso acrobacias, lugares perigosos, praias, areia, lua, cremes, chocolates,algemas, chicotes, botas, chuva, sol, música,halls...esses dias um amigo me mostrou um vídeo cuja legenda era “gangorra”(difícil de explicar, o cara fazia uma perpendicular e ficava se balançando em cima da mulher, subia e descia e seus pés quase tocavam a cabeça dela como uma martelo; mas devia ser bom, porque ela soltava uns gemidos bem sacanas...); fazemos tudo isso para termos o mesmo orgasmo que tínhamos com a masturbação dos primórdios, dá para acreditar...então, são dois exemplos elementares: do leite natural até a sofisticação culinária máxima e do orgasmo básico até uma apresentação digna do Cirque du soleil.
Agora, para fechar a serie de exemplos, pensemos na intelectualidade: no começo, um “A de abelhinha”. Lembro como se fosse hoje, a professora Barbara me ajudando a colar bolinhas de papel pequeninas numa grande letra a desenhada a mão numa folha A4; coloria aquela letra que estava recheada com uma abelha graciosa, depois colava as bolinhas de papel ao redor dela e recebia um “muito bom” seguido de um sorriso gracioso daquela mulher doce.Educação silábica, juntava esse “a” com outra letrinha e formava uma silaba, depois formava uma palavra e, num passe de mágica, aprendia a ler e escrever; também não posso deixar de citar o esforço de minha mãe, que foi quem me alfabetizou desenhando também as letras para mim num caderno de notas velho com um lápis praticamente sem ponta quando eu tinha cinco anos; ela sempre foi muito lúcida e amável e me incentivava muito fazendo leituras e rabiscos, apesar de ter cursado somente o fundamental.
Uma vez lendo e escrevendo, passamos aos verbos, frases, orações. De uma fabula sobre a mata nativa e alguma lenda caigangue com ou sem saci e final feliz, passamos, com sede, as biografias, aos livros de aventura, historia, teologia, escolástica, matemática, soma, subtração, divisão, cartesianismo, racionalismo, idealismo, platonismo, irracionalismo, marxismo, niilismo, física, sociologia, astronomia, psicanálise, artes plásticas, composição dos vinhos, coletivos dionisíacos, tragédia, espiritualismo, paganismo, pornografia, culinária, astronomia, astrologia(mesmo nas versões vulgares de jornais diários), um sem-fim de “saberes” que se entrelaçam na composição de um todo que nos dá a mesma satisfação de ter concluído aquela “abelhinha”.Sinceramente, dá menos satisfação.
Então eu sempre me questiono se, ao passo de uns oitenta anos, se Deus quiser que eu chegue lá (eu quero só duzentos e oitenta!!!), eu finalmente não terei deixado de saber, de fato, o que é comer, o que é gozar, o que é ler um livro simples e bonito.Trilhamos um caminho de complexificação de tudo que eu temo um dia não entender mais nada; mergulhar nesse relativismo que assombra grande parte da humanidade e ver a certeza das coisas “fluindo”, como prega a “pós-modernidade”.
Isso sempre me lembra o Caeiro: “há metafísica bastante em não pensar em nada”. Ou numa formulação nietzschiana que aqui ganha um contorno próprio: uma marinheiro que, durante uma tempestade em alto mar, conhece a formula química da água...A mesma água que bebemos na infância com gosto, com sede, com ou sem cloro; a mesma água das fontes que embalaram sonhos e desejos realizados, as mesmas que receberam moedas e mãos inocentes.
Talvez um dia ainda iremos não saber mais o que é, de fato, a água... Ainda que morramos afogados. Depois de tanta complexificação... Desde o momento em que nossos instintos são investidos de simbologia passamos a experimentar e representar o mundo de uma forma cada vez mais “rica”, cada vez mais subjetiva, cada vez menos úmida...
E tem colegas minhas que ainda se assustam quando me vêem perscrutando fria e apaixonadamente uma garrafa de água de 600ml dentro da sala de aula, enquanto a professora explica en passant o que significa tal comportamento enquanto representação de uma sintomatologia...
E eu que pensava que lavar as mãos era só lavar as mãos...
Então, mais uma vez, vamos em frente: lavar as mãos = TOC, transtorno obsessivo compulsivo ou Lavar as mãos = Pôncio Pilatos, alusão ao ato de...



3 comentários:

Elídia :) disse...

isentar-se? kkk, grande texto Edson-Bukowsy-Seio-Bom, kkk
abs

Elídia :) disse...

é mt aprender a fugir de lugar comum de "sintomalogizar" td, agrdeço a meu amigo, obgda.
Ass.: Eu, curada e pronta pra outro sintoma, kkkk

Edson Leal disse...

Elis,
Eis o "eterno retorno"...rsrsrs
abração, amiga.